O paradoxo do Firefox em defesa do Google
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O paradoxo da Mozilla em defesa do Google

Se a Mozilla fosse um personagem de filme, seria um herói que luta contra gigantes, mas ironicamente depende do dinheiro do vilão para sobreviver. Essa é a situação surreal em que a Mozilla se encontra hoje: o acordo com o Google, que paga para ser o buscador padrão no Firefox, representa cerca de 75% da receita da fundação. Sem ele, o navegador que desafia o domínio do Chrome poderia desaparecer – e com ele, uma das últimas alternativas verdadeiramente independentes na web.

Agora, esse acordo está ameaçado por uma ação antitruste do Departamento de Justiça dos EUA contra o Google. O objetivo da ação é impedir que o monopólio da busca sufoque a concorrência. Mas há um efeito colateral perverso: ao tentar enfraquecer o Google, o governo americano pode acabar matando o Firefox.

Por que a Mozilla precisa do dinheiro do Google?

Desenvolver um navegador moderno não é barato. O Firefox compete com Chrome, Safari e Edge – todos produtos de empresas que faturam bilhões. Enquanto Google, Apple e Microsoft podem bancar seus navegadores com receitas de anúncios, vendas de hardware ou licenças de software, a Mozilla depende quase inteiramente do acordo com o Google.

Esse dinheiro não só mantém o Firefox vivo, mas também:

  • Financia o Gecko, um dos únicos três motores de renderização independentes restantes (os outros são o Chromium, do Google, e o WebKit, da Apple);
  • Paga pelos engenheiros que trabalham em padrões abertos da web, como WebRTC e MDN Web Docs;
  • Sustenta iniciativas de privacidade, como a proteção contra rastreamento e bloqueio de cookies invasivos.

Se o acordo for proibido, a Mozilla teria que cortar custos drasticamente – e o primeiro na lista seria justamente o que diferencia o Firefox: sua independência tecnológica.

Não é a primeira vez que a Mozilla tenta reduzir sua dependência do Google. Entre 2014 e 2017, a fundação fechou um acordo com o Yahoo! para ser o buscador padrão no Firefox. O resultado foi um desastre:

  • Os usuários reclamaram da qualidade inferior das buscas;
  • Muitos voltaram manualmente para o Google;
  • Outros simplesmente migraram para o Chrome.

A experiência provou uma verdade inconveniente: as pessoas preferem o Google, mesmo quando usam um navegador que critica o Google.

O remédio pode matar o paciente

A ação antitruste contra o Google pode ter boas intenções, mas ignora um detalhe fundamental: proibir acordos de busca pode não aumentar a concorrência, mas concentrar ainda mais poder nas mãos de Apple, Microsoft e do próprio Google.

Afinal, o Safari já vem instalado em todos os iPhones e Macs, a Microsoft poderia bancar o Edge indefinidamente com seus lucros do Windows e Azure e o Google, mesmo enfraquecido, ainda teria o Chrome como navegador dominante.

Enquanto isso, o Firefox, o único navegador independente que ainda compete diretamente com o Chromium, ficaria sem financiamento substancial.

Se a Mozilla não puder mais sustentar o Gecko, o motor de renderização do Firefox, a internet e a comunidade open source perderia sua última alternativa real ao Chromium. Isso significaria:

  • Menos inovação: Sem competição, não haveria pressão para melhorar privacidade, desempenho ou padrões abertos;
  • Mais controle corporativo: A web seria moldada apenas pelos interesses da Google, Apple e Microsoft;
  • Menos escolha para o usuário: Todos os navegadores acabariam sendo variações do Chromium (como já acontece com Edge, Opera e Brave).

Mark Surman, presidente da Mozilla, resumiu bem: “Se perdermos o Gecko, é game over para uma web aberta e independente.”

Há solução?

A Mozilla argumenta que, em vez de proibir acordos de busca, os reguladores poderiam:

  1. Exigir transparência: Tornar públicos os valores desses contratos;
  2. Garantir igualdade de condições: Para que outros buscadores (DuckDuckGo, Brave Search) também possam competir por acordos com navegadores;
  3. Incentivar modelos alternativos: Explorar financiamento público ou contribuições comunitárias para projetos essenciais à web aberta.

Enquanto isso, a fundação tenta diversificar sua receita com VPNs, serviços de privacidade e até experimentos com IA. Mas nenhuma dessas iniciativas chega perto do valor do acordo com o Google.

O caso expõe um paradoxo cruel: para manter a concorrência viva, às vezes é preciso fazer acordos com quem domina o mercado. Se o Departamento de Justiça não levar isso em conta, sua vitória contra o Google poderá custar mais do que imaginamos – o fim da última resistência na guerra dos navegadores.

Vale a pena sacrificar o Firefox para enfraquecer o Google?

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