O Mozilla Firefox já teve mais de um terço do mercado de navegadores, já foi considerado por muitos, o melhor navegador para usar no computador, mas os anos passaram, hoje tem menos de 3% do público, com menos de 8% dos computadores pessoais.
A Mozilla tem recebido muitas críticas pelos seus projetos, por mover o seu foco ao ativismo em vez de softwares. Tudo num momento onde perder um cliente pode significar o fim da operação como é hoje. Mergulhamos na documentação da Mozilla, nos termos de uso e nos relatórios financeiros da empresa para tentar entender, afinal: O que aconteceu com o Mozilla Firefox?
Contração no mercado
Observando dados do StatCounter de 2009 até 2023, vemos três linhas particularmente interessantes no gráfico: a queda vertiginosa do Internet Explorer, a ascensão do Google Chrome, e o declínio lento, porém constante do Mozilla Firefox.
Entre 2011 e 2016, o Firefox começou com quase 30% de participação, caindo para pouco menos de 9%, valor que até parece alto perto dos menos de 3% em 2023. Um declínio desse tipo nunca acontece por apenas um motivo, neste caso foi pela somatória de fatores genéricos o suficiente para chamarmos como “problemas de gestão”.
Recentemente a Mozilla publicou um blog post comentando como Google, Microsoft e Apple trabalham para conseguir usuários para seus navegadores, e como o fato deles serem os padrões dos sistemas operacionais mais usados tem um impacto devastador no Firefox e em outros concorrentes.
Ainda que ser o navegador padrão do Android, do Windows e do iOS seja um fator inegável para a popularidade do Chrome, do Edge e do Safari, isso não parece ser o suficiente para explicar uma queda tão grande nos números do Firefox. Afinal, é o mesmo cenário do auge de número de usuários do navegador.
Alguns diriam que a principal diferença do Mozilla Firefox para o Internet Explorer, que chegou a ter praticamente todo o mercado de navegadores no início dos anos 2000, é que um era um bom navegador e melhorava a qualidade de navegação na internet, e o outro, vinha com o Windows.
A Mozilla não soube se adaptar às mudanças que ocorreram entre 2011 e 2016 no mundo da tecnologia, que centrou em dispositivos móveis. Demorou muito tempo para o Firefox viabilizar um bom aplicativo de celular, enquanto no mundo dos PCs parece ter perdido o foco: vários lançamentos com mudanças no design, funcionalidade e recursos do Firefox, geraram uma sequência que desagradou muitos usuários.
Parte disso talvez se deva a própria fundação Mozilla, que hoje se vê numa situação desconfortável onde cumprir com os seus objetivos e as diretrizes contidas no seu próprio Manifesto parece ser cada mais e mais difícil. Há vários documentos oficiais que colocam em dúvida se o objetivo de uma internet mais aberta é algo além de uma frase bonita.
Como funciona a gestão da Mozilla?
Muita gente acredita que a Mozilla é apenas uma instituição sem fins lucrativos, mas ela tem uma estrutura consideravelmente incomum. A Mozilla Foundation é uma instituição sem fins lucrativos, que funciona como holding para outras duas empresas, essas com fins lucrativos: a Mozilla Corporation, que basicamente faz o Firefox, e a Mozilla Technologies Corporations, hoje mais ligada ao gestor de e-mails, Thunderbird.
O mais comum é uma empresa com fins lucrativos ter uma fundação, ou ainda, que a “org” seja algo à parte da própria empresa. Infelizmente, essa não é a coisa mais estranha no entorno da Mozilla.
Ela ainda recebe muitas doações todos os anos, inclusive, mencionam na página de doações que são orgulhosamente uma instituição sem fins lucrativos, que dependem disso para continuar com a sua missão. Se você gosta do Firefox e decide doar para a Mozilla para ajudar no desenvolvimento do navegador, saiba que muito provavelmente a sua doação não será direcionada a nada relacionado a isso. Lendo as letras miúdas, podemos nos informar melhor.
Segundo a documentação, a Mozilla usa recursos dos doadores para ajudar em:
- Campanhas advocatícias, basicamente petições pedindo para empresas ou governos fazerem alguma coisa;
- Pesquisas e publicações sobre assuntos como privacidade e segurança em certos aplicativos.
Nada disso é necessariamente ruim, depende do seu ponto de vista, porém, pode-se questionar se o dinheiro está sendo bem gasto, sobretudo por quem pensou que estaria ajudando o Firefox ao doar algum valor.
Ainda nas letras miúdas, encontramos um pouco mais sobre a parte politicamente ativa da Mozilla Foundation. Em linhas gerais, financiam pessoas que eles acreditam estarem discursando e criando movimentos conforme os valores nos quais a Mozilla acredita. Ao ler os relatórios financeiros, dá para ter a noção de alguns, muitos deles, polarizados.
De onde vem o dinheiro para o Mozilla Firefox?
Apesar das doações serem importantes para a fundação, dizer que a Mozilla, na totalidade, depende de doações para continuar com a sua missão seria um exagero, já que dos quase 600 milhões de dólares que a empresa/instituição arrecadou em 2022, apenas 7 milhões vieram disso.
Quando olhamos para as finanças da Mozilla, vemos que dos 600 milhões arrecadados em 2021, 527 milhões se referem a Royalties, 56 milhões de assinaturas e publicidade, e 7,3 milhões vem de contribuições, ou seja, doações.
O que são esses Royalties? Claramente a Mozilla depende disso para existir, visto que os gastos do ano foram de 339 milhões, um valor acima de todas as outras fontes de capital. Royalties são descritos da seguinte forma no relatório:
“A Mozilla provê o Firefox, um navegador gratuito com código aberto, desenvolvido pela Mozilla Foundation e Corporation. A Mozilla incorpora buscadores para seus clientes como padrão, e como opções alternativas no Navegador Firefox. A Mozilla geralmente recebe royalties de um certo percentual de ganhos dos seus clientes através de seus mecanismos de busca incorporados no Firefox”
Agora as coisas ficaram um pouco mais claras, há relatos de que o contrato da Mozilla com o Google gire em torno de 400 milhões de dólares por ano. O restante vem de mecanismos de busca alternativos, como o Bing e o DuckDuckGO, ou outras parcerias comerciais, como o Baidu na China, e o Yandex, na Rússia.
Isso não é bem-visto por muitas pessoas que gostam do Firefox, afinal, enquanto a Mozilla parece se posicionar contra essas grandes empresas, ou eventuais censuras na internet, ela também faz acordos comerciais essas mesmas empresas para promover seus serviços, se submetendo a legislações de países com estados que exercem maior controle sobre o conteúdo da internet.
Considerando o valor do contrato do Google com a Mozilla, podemos deduzir, visto os gastos que a empresa tem, que é praticamente este cliente que sustenta toda a operação. Se o Google mudar de ideia, a Mozilla pode ficar enrascada.
Segundo o relatório da empresa, os gastos reduziram em quase 100 milhões de dólares, de 2020, para 2021, significando 46 milhões a menos em desenvolvimento de software. Reduzir o custo de operação não é algo necessariamente ruim, porém, o dinheiro investido em outros programas e serviços aumentou em 7 milhões, enquanto o dinheiro provindo de assinaturas e publicidade mais do que duplicou nesse período.
Não é só o Firefox, conheça outros produtos da Mozilla
A Mozilla faz muito marketing sobre privacidade, assim como o Brave, mas as suas ações entram em rota de colisão com essa proposta rapidamente se você olhar com mais profundidade, assim como o Brave também.
Atualmente os produtos da Mozilla são.
- Firefox Monitor, um serviço para verificar vazamento de dados;
- Mozilla Firefox, o navegador que todos conhecemos;
- Mozilla VPN, um serviço de VPN que, na verdade, não é operado pela Mozilla, mas sim pela empresa Mullvad;
- Pocket, uma ferramenta para salvar conteúdos da internet para ler depois, criticado pela sua política de privacidade;
- Firefox Relay, mais uma ferramenta voltada a privacidade digital;
- Firefox Focus, aplicativo para celular também focado em privacidade, outro projeto com a existência questionada, já que poderia integrar o navegador.
Uma das compras mais recentes da Mozilla foi o Fakespot, aplicação que ajuda a identificar reviews falsas de produtos, que apesar da boa intenção, também foi criticada pela sua política de privacidade considerada invasiva, contradizendo o marketing do Mozilla Firefox de oferecer uma experiência focada em segurança e privacidade digital.
É notável o quanto a Mozilla depende do Firefox e da marca Firefox para seus produtos, sendo o navegador, mesmo com a queda na sua quantidade de usuários, a principal fonte de captação de verba para a empresa e para a fundação. Mas essa dependência não parece saudável no longo prazo, por isso a companhia tentou emplacar vários produtos que infelizmente não funcionaram.
De todos, talvez o mais emblemático seja o Firefox OS, uma iniciativa de sistema operacional para dispositivos móveis voltado a Web, que durou 3 anos, de 2013 até 2016, período que coincide com o maior declínio do Firefox em quantidade de usuários da última década.
Gastos duvidosos
A Mozilla e o Firefox não estão no seu melhor momento, mas as finanças ainda são sólidas, ao que parece, a parte empresarial, ganha mais do que gasta, mas o fato da Mozilla Foundation não ter fins lucrativos e o do Firefox estar perdendo usuários ano após ano, faz com que alguns gastos pareçam duvidosos, especialmente nos valores relacionados a doações e aos altos salários dos líderes da Mozilla.
Somente a CEO da Mozilla, recebeu cerca mais de 5 milhões e meio de dólares em 2021. O relatório informa que montantes de dinheiro, maiores até do que o salário de todos os executivos, menos da CEO, foram doados para instituições altamente politizadas, com alinhamentos partidários bem definidos, que atuam em campos não relacionados diretamente a softwares.
Outras transferências foram para instituições que não parecem ter uma representação simples de comprovar, sem nem sequer um site, incluindo doações para fundos um tanto obscuros. Tratando de doações feitas com dinheiro arrecadado de doações de outras pessoas, seria interessante ser o mais descritivo e transparente possível.
Ainda que discutir o apoio político que a Mozilla dá para pessoas e instituições não seja o nosso objetivo, é passível de questionamento:
Faz sentido dedicar tanto dinheiro, possivelmente milhões de dólares, a áreas que não tem relação direta com tecnologia, internet, navegadores e o próprio Firefox? Será que é isso que os doadores imaginavam quando apoiaram a Mozilla, ainda mais considerando que se alguém quisesse doar para essas causas políticas, poderia fazer diretamente, sem a Mozilla como intermediário?
Enquanto o lado fundação da Mozilla parece focar mais em ações sociais que nem sempre tem a ver com tecnologia, a Mozilla Corporation não foca mais 100% dos seus esforços em melhorar o Firefox, o trabalho é diluído em outros produtos que geram valores por assinatura.
Novos tempos
O Mozilla Firefox deixou de ser um navegador competitivo no mercado, não precisa de muita pesquisa para encontrar relatos de que, em geral, ele é mais lento do que os navegadores baseados em Chromium. Para piorar, o pilar de privacidade e segurança que a Mozilla se apoia como um dos diferenciais do Firefox, não parece mais muito firme, até porque hoje existem muitos produtos concorrentes similares.
Você já deve ter ouvido falar que quase todo navegadores atuais, são uma versão do Chromium. Isso acontece por vários produtos diferentes usarem essa mesma base. O Firefox se apoia nessa questão para justificar a sua existência, afinal, competição é sempre bom.
Apesar da concorrência de motores de renderização de navegador ser algo interessante, e algumas pessoas advogarem pela importância da existência de navegadores que não usem o Chromium como base, isso pode ser um estorvo para a Mozilla e de seus usuários, afinal, certos sites e tecnologias não são plenamente compatíveis com o Firefox.
O argumento “da base única não ser algo bom” não é tão compelente quanto se imagina, apesar do Chrome ser proprietário, o seu núcleo é aberto. Chromium está para o Chrome, assim como Linux está para o Android, uma base similar em todas as distros Linux facilita o desenvolvimento e aumenta a segurança. Ter a mesma base para os navegadores produz o mesmo efeito.
O Chromium tem uma licença BSD altamente permissiva, com mais de 3 mil contribuidores, incluindo pessoas que trabalham para grandes empresas. É um projeto open source muito ativo. Isso faz com que, assim como ocorre com o Linux, onde grandes empresas desenvolvem e financiam o Kernel, o Chromium também receba esse tipo de atenção, com todos os efeitos positivos e negativos disso.
Mesmo que o Google lidere o desenvolvimento do Chromium pelo simples fato de trabalhar mais ativamente no projeto, como ele é aberto, nada impede de ser usado por outras pessoas, modificando completamente o comportamento do navegador, fugindo totalmente do que o Google acha que o Chromium deveria ser. Brave, Edge, Vivaldi e Opera são ótimos exemplos disso, sem falar em projetos até mais audaciosos, como o Ungoogled Chromium, que faz tudo ao contrário do que o Google faz no Chrome.
Aparentemente, o declínio da Mozilla e do Firefox tem a ver com a gestão da empresa, em como eles não conseguiram se adaptar com a velocidade adequada ao movimento que a internet fazia, como no caso, dos dispositivos móveis.
Doar, não parece ser a solução para salvar o Firefox dessa decadência na qual o projeto se encontra, já que o dinheiro não costuma ser destinado a ele. A Mozilla não parece ter um problema de dinheiro, pelo menos até o Google achar que não vale mais a pena investir.
Qual será o desfecho da Mozilla? Será que ela vai se tornar uma empresa diferente? Existe algum plano para depender menos do Google? Os valores arrecadados estão sendo bem gastos? O envolvimento ou até a distração com causas políticas, ativistas, petições e textos sobre tecnologia, estão tirando o foco do Firefox?
Agora, saiba mais sobre a estratégia do Thunderbird, o gestor de e-mail gratuito que arrecadou milhões de dólares em doação no último ano, graças a um marketing bem-sucedido.