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Por que o IPv6 ainda não virou padrão absoluto?

A internet é algo essencial para as nossas vidas, e para funcionar, existe muita engenharia, com diversos protocolos permitindo acessar aplicativos e sites. Provavelmente você já ouviu falar de IP, sabe que ele é um número identificador. Hoje vamos entender porque a nova geração no protocolo de IP deveria ter tomado conta do mundo, mas ainda não conseguiu, mesmo depois de mais de 20 anos da sua criação. Será que tem alguém bloqueando o crescimento do IPv6? Se ele é melhor do que o IPv4, o protocolo que mais usamos hoje em dia, por que todo mundo não usa por padrão?

Entenda o que é o IP

Para gente falar sobre IPv6, precisamos entender um pouco sobre redes de computadores. O conceito básico de IP atribui um número único a cada dispositivo conectado a uma mesma rede, se você acessar as configurações do seu roteador e verificar os dispositivos conectados, vai ver que cada um tem um número diferente.

Provavelmente esses números vão se parecer com 192.168.0.1, ou 10.0.0.2, ou alguma variação disso. Podemos dizer que esse número equivale ao seu endereço residencial, se alguém quiser te enviar uma correspondência, vai precisar saber o seu endereço, se você mora num prédio, também precisa do número do seu apartamento.

Quando dois computadores conectados numa rede precisam trocar informações, é exatamente isso que eles fazem, sabendo o endereço de IP um do outro, eles sabem para onde precisam enviar os dados. Isso é muito conveniente, afinal, se não existisse um protocolo desse tipo, os dados que um usuário requisitou, poderiam ir parar em outro computador na rede, como quando o seu vizinho recebe a sua encomenda por engano.

A internet foi desenvolvida há muitas décadas, e inicialmente, ela não tinha sido pensada para ser usada em ambiente comercial, onde pessoas comuns teriam acesso.  Era uma tecnologia para trocar informações usada pelos governos, pelos militares e pelas universidades, não para assistir vídeos de gatos no YouTube.

O protocolo que envolve o IP foi criado muito cedo, ele é uma grande base para a comunicação em rede, e na época ele previa esse tipo de comunicação de forma direta entre computadores numa mesma rede, onde cada um, teria seu número identificador, o IP. Conforme o uso da internet foi crescendo e mais dispositivos foram conectados na rede, ficou óbvio que existiriam alguns problemas para que essa tecnologia pudesse ser usada em larga escala.

O protocolo de comunicação envolvendo o conceito de um número de IP já teve várias versões e revisões, mas em 1981, há mais de 40 anos, era lançado a versão 4 do protocolo IP, também chamado de IPv4, um modelo que usamos até hoje, mesmo depois de várias décadas, com alguns ajustes é claro.

Com melhorias técnicas para aumentar a segurança e versatilidade, uma das características mais notáveis do IPv4 é o seu espaço de endereçamento de 32 bits. Mas o que isso significa?

Tomemos como exemplo o IP 192.168.000.001, se a cada ponto, temos 3 dígitos diferentes, que podem ir, de 0 a 9, isso pode gerar uma combinação de mais de 4,2 bilhões de números diferentes. Dessa forma, podemos ter, em tese, mais de 4 bilhões de dispositivos únicos numa mesma rede, cada um usando um endereço de IP de diferente para se identificar. 

Esse número parece muito à primeira vista, especialmente para os anos 80. Isso sem considerar que foram feitas várias alocações especiais de certas faixas desses IP, que ficaram reservadas para empresas, governos e alguns usos específicos, mesmo assim ainda sobravam mais de 3 bilhões e meio de endereços, ou seja, muita coisa ainda para ser usada no potencial futuro brilhante da internet.

Para ter uma ideia, nos anos 80, as estimativas apontam que existiam apenas alguns milhares de dispositivos conectados, no início dos anos 90, chegamos a um milhão, graças a expansão comercial da internet, e em 2022 chegamos em mais de 20 bilhões, um crescimento exponencial incrível! As previsões para 2030, são 30 bilhões de dispositivos conectados, cada um precisando do seu próprio endereço de IP.

Se o número de endereços possíveis via IPv4 são 4 bilhões, como a gente tem 20 bilhões de dispositivos conectados?

Nos anos 80 já se discutia sobre o próximo passo e um potencial esgotamento de endereços de IPv4, nos anos 90, com a internet comercial ganhando tração, as coisas ficaram um pouco mais claras, se algo não fosse feito, em breve não seria mais possível conectar novos computadores e dispositivos na internet devido a essa limitação técnica.

Para resolver esse problema, em 1995 foi lançado o protocolo IPv6, que resolve a questão de uma forma bem interessante. Um endereço IPv6 tem 128 bits, diferente dos 32 bits do IPv4, isso quer dizer que, tecnicamente, podemos representar a seguinte quantidade de endereços únicos: 

340.282.366.920.938.463.463.374.607.431.768.211.456

Esse número seria aproximadamente 340 undecilhões de endereços, o número 1, seguido de 36 zeros. Estima-se que existem aproximadamente 7,5 sextilhões de grãos de areia em todo planeta terra, o número possível de endereços de IP com IPv6 é infindável até mesmo perto disso.

A representação de endereços de IPv6 também é diferente da representação envolvendo IPv4. Em IPv4 temos a sequência de quatro sessões, contendo até 3 números, cada, certo? (192.168.000.001)

Em IPv6 a representação consiste em outro grupos de 4 dígitos hexadecimais separados por dois pontos. Ou seja, um endereço de IP pode conter números de 0 a 9 e letras de A até F, veja um exemplo:

2001:0db8:0000:0000:0000:8a2e:0370:7334 

Eles parecem um pouco mais confusos só de olhar, mas também podem ser presentados de forma reduzida, removendo especialmente algumas sessões com zeros, seguindo normas definidas pelo IETF, o Internet Engineering Task Force, o que tornaria esse mesmo endereço em algo um pouco mais simples: 

2001:db8::8a2e:370:7334

De certa forma, é o mesmo que acontece com IPv4, a gente não escreve “192.168.000.001”, apenas “192.168.0.1”.

Quais os benefícios do IPv6?

Com tantos endereços de IPv6 disponíveis, o problema de cada dispositivo não ter o seu próprio endereço único acaba, só isso já seria uma grande vitória em prol do crescimento tecnológico. Mas o IPv6 traz consigo alguns outros benefícios, como segurança aprimorada, com IPSec e autenticação de cabeçalhos, melhor desempenho, já que os próprios cabeçalhos dos pacotes de dados são mais simples e a comunicação pode ser feita diretamente entre computadores, sem passar por várias tabelas de roteamento.

IPv6 também promete melhor suporte para conteúdos multimídia, coisa que não era nem cogitada direito na época da criação do IPv4, entre outras benesses. Mesmo sendo um passo óbvio para a evolução da nossa comunicação, o IPv6 ainda não emplacou totalmente, no Brasil, em 2023 chegamos ao marco de suporte a IPv6 por 50% da rede do país. Ainda falta metade, mas em 2015, era menos de 3%, então podemos reconhecer que em menos de 10 anos, as coisas avançaram bastante.

O Brasil não é o único país a tentar implementar o IPv6 em larga escala, nem mesmo é o único atrasado, o mundo não abraçou o IPv6 completamente, mesmo que o protocolo já esteja próximo de 30 anos de existência.

Em Portugal, pouco menos de 40% de implementação de IPv6 ocorreu, mesmo sendo um país muito menor que o Brasil, considerando o território e população. Um site legal para gente acompanhar a adoção do IPv6 é mantido pelo Google. A gente pode ver uma adoção expoente desde 2010, especialmente, chegando muito próximo nos 50% no mundo todo.

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Imagem: Google

Os países que lideram percentualmente na adoção de IPv6 atualmente são França, Alemanha, Arábia Saudita, Índia, Vietnã, Malásia e Japão, não necessariamente nessa ordem, e é sempre bom considerar o tamanho dos países geograficamente, de suas populações e a quantidade de dispositivos conectados. O estoque de IPv4 na América latina esgotou ainda em 2017, ou seja, não existem mais endereços disponíveis há vários anos, mesmo assim, a adoção do IPv6 continua numa marcha relativamente lenta.

Existe IPv5?

Existiu outro protocolo de internet, mas ele nunca chegou a ser publicado para uso, inclusive, o protocolo que deu origem a ele começou a ser criado ainda no final dos anos 70, antes mesmo do IPv4 ser lançado.  Ele é a versão 5 do protocolo IP, mas como ele não foi publicado, o nome nunca foi empregado em nada utilizável comercialmente e quase ninguém ouviu falar, mesmo assim, para distinguir os projetos, quando o novo protocolo foi criado, ele recebeu a versão 6, curioso né? 

Como a internet segue funcionando com o IPv4?

Se já não existem endereços há vários anos, sendo que em alguns locais do mundo, eles acabaram ainda mais cedo do que a América Latina, como nos EUA e no Canadá, onde o esgotamento aconteceu ainda em 2015, como a gente ainda continua tendo uma internet funcional com cada vez mais dispositivos?  Por que a adoção do IPv6 está levando tanto tempo para acontecer?

Toda tecnologia nova, que funciona de forma diferente, costuma ter um certo atraso em sua adoção, especialmente se ela conflita de alguma forma com a tecnologia atual, criando algum atrito na transição. Entre a despedida de um protocolo e adoção de um novo, foram criadas soluções paliativas que adiaram o inevitável, dando mais tempo para todos se adaptarem ao novo padrão.

Estamos falando principalmente do modelo NAT, apresentado no documento RFC1631 da IETF, como uma medida de curto prazo. Ele é muito provavelmente o responsável por atrasar a chegada do IPv6, ao mesmo tempo que nos deu ferramentas novas para trabalhar com redes que fazem parte de como a internet moderna funciona.

Entendendo o modelo NAT

A forma mais simples de entender é o seguinte, imagine a sua rede doméstica com um computador, um smartphone e algum outro dispositivo conectado a internet, como a sua TV. Cada um deles solicita um endereço de IP para o seu roteador, que, usando outro protocolo chamado DHCP, entrega um número de IP local para cada um deles.

Tudo parece funcionar bem, até que você tentar acessar um computador que está fora da sua rede: quando você tenta acessar um site, usar um aplicativo conectado à internet ou assiste um vídeo, 

o seu computador, smartphone ou TV, precisa se conectar a um servidor que está na internet em algum lugar. Esse servidor é, simplificando um pouco, um computador que serve o conteúdo que você quer consumir pelo seu dispositivo.

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O problema é que o seu IP doméstico é inválido fora da sua rede, ele não consegue se comunicar com o servidor externo diretamente, até porque muito provavelmente o seu vizinho e boa parte do mundo tem o mesmo endereço de IP doméstico que você. Como o servidor do YouTube saberia que tem que enviar o vídeo para sua casa, para o seu computador especificamente, e não para a casa de qualquer outra pessoa ou para o seu celular, ao invés do seu computador?

Para isso, seu roteador faz agora algo bem inteligente. Quando você assina um plano de internet, o seu provedor te atribui um endereço de IP, muitas vezes chamado de IP externo ou IP público, viabilizando a conexão com a internet e a comunicação com outros computadores na rede, ou servidores.

Geralmente o seu provedor te entrega um único IP, e através das configurações do seu roteador, ele sabe qual número usar para falar com o restante da internet. O seu roteador usa de NAT, dessa forma, ele sabe o que cada um dos seus dispositivos requisitou, digamos que você tenha solicitado o acesso a um conteúdo diferente em cada um dos seus aparelhos, então ele pega essas solicitações e faz elas usando o seu IP público; quando as respostas vierem dos servidores com os conteúdos, ele vai entregar os pacotes de dados para cada IP interno ou privado, com o conteúdo requisitado por cada um.

O NAT permite ter redes definidas com configurações específicas e estáticas em redes privadas, sem muita preocupação com a configuração para acesso externo, já que o roteador faz todo o trabalho, se você trocar de provedor de internet, a sua rede interna permanece intacta.

Mais do que isso, o seu provedor faz provavelmente uma rotação de endereços de IP, alocando eles conforme a necessidade, caso a sua conexão caia, seja desligada ou algo assim, é possível que um novo endereço de IP externo seja atribuído à sua conexão, assim como um roteador atribui endereços de IP dinamicamente para cada aparelho conectado ao Wi-Fi da sua casa.

Isso pode ser um problema às vezes, especialmente se você estiver tentando hospedar algo da sua casa ou empresa para a internet, cada provedor pode tratar isso de forma diferente, muitos têm até planos especiais para te vender um “IP válido” que nunca vai mudar.

NAT é uma gambiarra que deu muito certo, ainda pode ajudar a proteger os dispositivos em uma rede local de ataques externos, já que endereços IP privados não são roteáveis na internet, significando que os dispositivos não podem ser diretamente acessados externamente. Apesar disso, em tese é possível usar NAT combinado com IPv6 também, por uma questão mais de design da rede, do que por necessidade, já que existiriam endereços de IP o suficiente.

Com essa prática de NAT sobre o IPv4, em tese, podemos usar aqueles 4 bilhões de números para 4 bilhões de conexões individuais e praticamente infindáveis dispositivos conectados na mesma rede, que para fora dela, vão parecer como se fossem todos o mesmo, pelo menos do ponto de vista do endereço de IP.

Os 4 principais motivos para o IPv6 não se tornar o padrão absoluto

  1. Existe um custo para atualizar a infraestrutura de rede para suportar esse novo protocolo, simplesmente deixar de usar IPv4 não é possível em várias circunstâncias devido a equipamentos mais antigos, e como IPv4 e IPv6 não são análogos, trocar o protocolo dos principais provedores e sites excluiria muita gente da internet. 

Com o tempo isso vai se tornando menos verdade, já que todo equipamento e software mais novo já tem suporte a IPv6, mas ainda é um empecilho a ser considerado. Hoje, muitas das estruturas que existem, especialmente projetos maiores, suportam ambos os protocolos, mas manter ambos funcionando e seguros, pode ser algo custoso também;

  1. Os usuários, que são a maioria das pessoas na internet, não perceberiam tanto a diferença da mudança de protocolo, ao menos não se tudo funcionasse como deveria. Talvez algumas coisas ficassem mais rápidas e mais seguras, mas pode ser difícil de perceber. Aos olhos de quem só usa a tecnologia, se não está quebrado, não precisa consertar, mesmo que para provedores e técnicos o problema seja latente há várias décadas. 

Para os usuários domésticos, a mudança para IPv6 oferece pouco ou nenhum benefício, já que a maioria das coisas consumidas pela internet, funciona tranquilamente via IPv4. Isso remove um pouco pressão do mercado pela mudança, e acaba jogando a adoção do IPv6 para “quando der”, o para quando não tiver mais escapatória;

  1. Existem problemas de compatibilidade oriundos da própria adoção lenta do IPv6 teve, que, por consequência, tornam ela ainda mais lenta. Alguns dispositivos antigos e alguns softwares podem não ser plenamente compatíveis com IPv6, o que faz com que eles precisem ser trocados ou atualizados.

Há também algumas preocupações relacionadas a segurança, mesmo que em teoria o IPv6 seja mais seguro que o IPv4, existem possíveis brechas que podem ainda não terem sido descobertas por conta da ausência da adoção em massa. 

A possibilidade de computadores se comunicarem diretamente entre si também pode abrir portas para ataques diretos se as implementações de segurança não forem bem feitas, já que hoje muitas vezes os ataques param em firewalls dos provedores, ou em proxies;

  1. Não parecia um problema urgente no início dos anos 2000, quando o IPv6 já existia, e com a propagação e eficiência de técnicas como o NAT, a urgência ficou ainda menor. Se as empresas não tem uma pressão financeira para adotar um novo padrão, ele será dificilmente adotado só pelo fato de ser bom, precisa de algo mais, sobretudo quando o modelo atual ainda parece funcionar para muita gente.

Além disso, mesmo com endereços esgotados, o mercado de IPv4 de segunda mão, digamos assim, continua existindo, com grandes players conseguindo ainda comprar e vender endereços entre si para satisfazer as suas necessidades. Algo que obviamente tem prazo de validade.

Um destino inevitável

As coisas estão mudando, e apesar desse quase primeiro quarto de século do IPv6 ter tido uma adoção relativamente lenta, as coisas tendem a acelerar nos próximos anos. Com a exaustão de endereços de IPv4, alguns governos impulsionando a implementação do IPv6 e os avanços tecnológicos, onde praticamente todo novo hardware e software tem compatibilidade com o novo protocolo, devem ajudar acelerar esse processo de migração.

Trabalhar com IPv6 já é uma realidade em várias empresas, e nas que ainda não é, deve se tornar parte do dia a dia dos gestores de redes num futuro próximo; por isso, é importante aprender um pouco mais a respeito do assunto, se ainda não é algo muito familiar a você, sobretudo se trabalha na área.

Caso você ainda não tenha acesso pleno a IPv6, muitas vezes é só uma questão de pedir a liberação para o seu provedor e fazer alguma configuração no roteador, isso não deve ter nenhum custo adicional.

Por outro lado, se você só usa a tecnologia ao seu redor com as suas várias camadas de abstração, a mudança para IPv6 não deve ter efeito relevante se for feita de forma adequada, mantendo tudo funcionando como sempre foi, quem sabe com alguns benefícios de segurança e desempenho.

Você sabe como a internet funciona dentro da sua casa? Confira nossa explicação completa!

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