Em um embate que expõe as tensões entre gigantes tecnológicos e alternativas independentes, o Nextcloud – plataforma europeia de armazenamento em nuvem de código aberto – viu-se subitamente impedido de oferecer funcionalidades básicas em seu aplicativo Android. O motivo? Uma mudança arbitrária nas políticas do Google Play Store que restringiu seu acesso a arquivos, enquanto concorrentes diretos do Google seguiam operando normalmente.
Esta história, que começou como uma disputa técnica obscura e terminou com uma retratação pública do Google após pressão midiática, revela muito sobre o desequilibrio de poder nas plataformas digitais e como reguladores ainda lutam para conter práticas anticompetitivas no setor.
O sumiço das permissões
Tudo começou discretamente em setembro de 2024, quando uma atualização do aplicativo Nextcloud Files foi rejeitada pelo Google Play sem aviso prévio. A justificativa? O uso da permissão “Acesso a todos os arquivos”, um recurso que o aplicativo utilizava desde seu lançamento em 2016 para sincronizar documentos, PDFs, planilhas e outros formatos além de fotos e vídeos.
Segundo o Google, essa permissão representaria um risco à segurança, e a empresa exigiu que o Nextcloud migrasse para alternativas como o Storage Access Framework (SAF) ou MediaStore API. O problema? Essas soluções eram inviáveis para o caso específico do Nextcloud:
O SAF foi projetado para compartilhamento entre aplicativos, não para sincronização em nuvem, enquanto a MediaStore API só permite acesso a arquivos de mídia, ignorando documentos essenciais para muitos usuários. O resultado? O aplicativo no Play Store foi deliberadamente limitado a enviar apenas fotos e vídeos, enquanto versões alternativas (como a disponível no F-Droid) mantinham todas as funcionalidades originais.
Segurança seletiva?
O Google defendeu sua decisão citando preocupações com privacidade e segurança, argumentando que o acesso amplo a arquivos poderia ser explorado por aplicativos maliciosos. No entanto, essa explicação rapidamente mostrou-se inconsistente por um detalhe crucial:
O próprio Google Workspace (assim como Microsoft OneDrive, Dropbox e Box) manteve permissões idênticas às que foram negadas ao Nextcloud.
Christoph Weissthaner, representante do Nextcloud, destacou a disparidade:
“Nunca tivemos reclamações sobre segurança em quase uma década usando essa permissão. É curioso que apenas nosso aplicativo, que compete com o Google Drive, tenha sido restrito enquanto os serviços deles seguem intocados.”
Essa discrepância alimentou suspeitas de que a mudança seria menos sobre proteção ao usuário e mais sobre dificultar a vida de concorrentes.
Durante oito meses, a equipe do Nextcloud tentou reverter a situação através dos canais oficiais do Google. Eles enviaram explicações técnicas detalhadas, exemplos de uso legítimo e até comparativos com aplicativos que mantinham as mesmas permissões. A resposta? Silêncio ou respostas genéricas.
A virada só veio quando o caso ganhou os holofotes da imprensa:
- 13 de maio de 2025: O site The Register publicou a primeira matéria investigativa sobre o caso.
- 14 de maio: Veículos como LWN e Ars Technica amplificaram a cobertura.
- 15 de maio: Dois dias após a primeira publicação, o Google entrou em contato com o Nextcloud oferecendo restaurar as permissões.
Este episódio não é isolado. Ele se encaixa em um padrão histórico onde donos de plataformas digitais (como Google, Apple e Microsoft) usam regras aparentemente neutras para prejudicar competidores. Podemos listar desde o caso do Windows atrapalhando a instalação de navegadores diferentes do Edge, até a briga sem fim da Epic Games contra a Apple.
Johannes Poortvliet, do Nextcloud, resumiu a frustração de muitas empresas menores:
“Quando você é pequeno, não tem recursos para longas batalhas judiciais. Ou você aceita as regras injustas ou desaparece.”
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