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Por que jogos de celular são tão ruins?

A indústria de jogos de celular está completamente doente, sendo difícil ver uma luz no fim do túnel. Entre vários jogos que são copias uns dos outros, ou cópias de outros jogos famosos de consoles, jogos Idle, com microtransações que bloqueiam a sua progressão sem nenhum motivo, são poucos os títulos que realmente se salvam.

Por que esse mercado que parecia tão promissor em 2010, está desse jeito depois de mais de 10 anos? Hoje os smartphones são muito melhores do que eram e os games parecem não acompanhar a evolução. 

O bom, o feio e o mau

Nossa reflexão se iniciou quando testamos alguns jogos da Netflix, a empresa começou a investir neste mercado há mais ou menos um ano, a ideia era incluir games como uma opção de entretenimento na sua assinatura. No começo, eles não pareciam grande coisa, um ano depois, temos alguns games bons, como Oxenfree 2.

Um dos jogos de celular disponíveis que testamos se chama “Sonic Prime Dash”, não tem nada de especial, é mais um daqueles games onde o personagem corre, coleta moedas, pula, agacha e desliza para os lados. Mas jogando um pouco, percebemos algo esquisito, ele estava sendo divertido por mais tempo do que o normal.

Para comparação, há outro game do Sonic na Google Play chamado “Sonic Forces”, com o mesmo estilo, mas não faz parte da assinatura da Netflix. Desconsiderando o fato de ser possível terminar a corrida sem tocar no smartphone, além do anúncio, assim que a corrida termina, exibe várias ofertas de microtransação para “dobrar o prêmio nos baús”, os quais são lootboxes, além de ofertas de boosters para comprar moedas, e várias outras formas de gastar dinheiro, dá para gastar quase 400 reais numa única compra!

Microtransações e lootboxes em jogos de celular

O que tem de diferente no jogo do Sonic da Netflix é que ele é divertido por mais tempo, a produtora tem essa política para jogos associados à plataforma, onde eles não podem ter nenhum tipo de microtransação, ou pay to win que bloqueia o seu avanço.

Jogos de celular sempre foram assim?

A verdade é que, se você observar os jogos de celular em alta na Google Play, a maioria envolve roletas, cassinos, e anúncios a cada momento. Como desenvolvedores de games apaixonados pela arte de criar experiências e contar histórias chegaram nesse ponto? Por que pararam de tentar fazer bons jogos, para apenas tentar extrair dinheiro do público? Como muita gente parou de se importar com isso a ponto de até gostar dessa dinâmica?

Parece um problema sem solução. Voltemos ao ano de 2009, quando era lançado pela Rovio, o clássico do mundo mobile, Angry Birds, fenômeno absoluto que quase todo mundo que já teve um smartphone jogou.

Angry Birds

Naquela época não se sabia exatamente como o mercado de jogos de celular iria evoluir, especialmente em termos de games, mas todos conseguiam imaginar o potencial imenso, afinal, “computadores de bolso” que todo mundo tem, parece ser uma plataforma interessante para se publicar um game e atingir o público grande.

Jogos de celular só poderiam ser muito simples e envolviam geralmente alguns poucos gestos na tela sensível ao toque, além de Angry Birds, outros games clássicos do mundo mobile surgiram, como Cut The Rope, Temple Run, Fruit Ninja, Subway Surfers.

Mais de uma década depois, temos abundância de games que, de forma nenhuma, são algo original, ou melhores que qualquer desses clássicos. São jogos descartáveis, fadados a desaparecer ou serem substituídos por uma cópia qualquer que faz praticamente o mesmo, mas em vez do Sonic, outro boneco.

Fazer um jogo de sucesso é complicado, lançar algo já testado realmente é mais seguro financeiramente. Títulos de grandes estúdios custam muito dinheiro para serem feitos, não à toa, são focados para mercados de console e PC, mas ao contrário do que se pensa, não só pelo desempenho e hardware, mas pela forma de pensar do público que joga por essas plataformas.

Outro público

Apesar de importante, um poderoso processamento gráfico não é o principal problema, veja o Nintendo Switch, longe de ter um hardware primoroso, possui vários jogos muito bem-feitos, que facilmente poderiam rodar num celular moderno.

Certos games nunca vem parar nos Smartphones por outro motivo, é praticamente impossível vender jogos para celular. O motivo é difícil dizer, mas a verdade é que os jogadores dessa plataforma não gostam de pagar pelos jogos, tornou-se cultural baixar jogos grátis, são raras as pessoas que compram.

Para você ter uma ideia, segundo o site Statista, em 2023, somente 3% dos aplicativos da Play Store são pagos, isso é um indicativo claro de que pouquíssimas empresas acreditam nesse modelo mais tradicional de compra e venda.

Isso naturalmente afeta o modelo de negócio de desenvolvimento de jogos de celular, a gente pode até especular o motivo, mas mesmo que possamos apontar algum culpado, não muda o cenário atual.

Os desenvolvedores têm a escolha de fazer um bom jogo, cobrar por ele, e ter poucos compradores, se tiver algum, porque fazer um game pago chegar no topo da Google Play é praticamente impossível. Ou podem tentar criar um game grátis, aumentando a chance de adesão do público, e tentar recuperar o dinheiro do desenvolvimento por meio de microtransações e anúncios, que, com sorte, gerarão um lucro grande o suficiente para manter a empresa funcionando e, quem sabe, financiar o desenvolvimento de outros projetos.

Entretanto, até mesmo as microtransações só funcionarão, se o jogador estiver realmente viciado, gerando motivações não muito legais em quem desenvolve, algo que não tem necessariamente a ver com fazer um game divertido.

Torna-se cada vez mais importante desenvolver mecanismos que promovam ganchos psicológicos de recompensa: animações bonitas nos lootboxes, prêmios diários, tempos de espera para alguma coisa acontecer, sensação de escassez, fazendo com que o jogador teste sua sorte até tirar o personagem ou item que deseja.

Mesmo assim, é raro criar um game que gera fortunas em microtransações. Como só uma pequena parte do público gastará com o jogo, você precisa de muita gente jogando, por muito tempo, para conseguir fazer dinheiro.

Quanto mais jogadores, mais caro se torna a operação, a maioria dos desenvolvedores tem dificuldade de fazer as contas fecharem, especialmente os estúdios pequenos, por isso que existem muitos jogos que simplesmente deixam de existir ou recebem pouca manutenção.

A estratégia de ser free-to-play com microtransações e anúncios ainda é algo como desenvolver e torcer. Você cria um game, faz um investimento, e torce para o dinheiro vir. Isso quer dizer que se torna mais arriscado desenvolver games custosos para mobile, já que você não tem um grande público comprador e precisa de uma grande adesão de pessoas que queiram pagar por skins ou qualquer outra coisa no jogo para tornar o projeto viável.

Sendo arriscado, menos dinheiro tende a ser colocado no desenvolvimento dos jogos, dessa forma, frequentemente você tem menos qualidade, gráficos ruins, assets prontos sem alma, numa tentativa de fazer um jogo ruim dar lucro.

Claramente essa situação não é saudável para ninguém, tirando para quem consegue encher o bolso sem se preocupar com games como arte.

Um mercado como os demais?

Jogos sempre foram um negócio, desde a época que eram mais difíceis para você gastar mais fichas no Arcade, até ficarem longos demais para você zerar no final de semana, te obrigando a alugar cartuchos por mais tempo.

Sempre tem alguma motivação para tudo, mas isso parece pouca coisa perto do que ocorre hoje, afinal, é possível passar de um game difícil de primeira, ou podemos ficar o dia inteiro jogando para zerar um game mais longo, mas a única forma de que conseguir ter progresso em jogos atuais é pagando, muitas vezes sem precisar jogar.

Imagina como seria o Need For Speed Underground 2 feito pela EA de hoje em dia? Aposto que teria microtransações para absolutamente todos os itens de customização, liberação de carros, etc. Hoje em dia, até em jogos topo de linha, custando 400 reais, tem microtransação, você nunca termina de pagar para ter a experiência completa.

Need for Speed

“A experiência completa”, tornou-se uma raridade, lembra quando comprávamos um jogo, a sua única preocupação era jogar do início ao fim, com os desbloqueáveis ao alcance da sua habilidade, e não da sua carteira? Games estão mais acessíveis do que nunca, o que é algo bom, mas junto das partes boas, vem outras nem tanto.

Economia paralela

Com os jogos de celular sendo free-to-play acaba existindo também uma brecha para o encerramento do serviço. Como ninguém comprou o jogo, caso o negócio não esteja sustentável, basta fechar e colher a derrota. Todo o dinheiro que as pessoas gastaram em microtransações não é reembolsável e basta colocar nos termos do jogo, que todos aceitam sem ler, que caso o serviço seja encerrado, a empresa não se obriga a devolver nada.

Esse é um dos motivos dos games usarem moedas próprias. Não tem como devolver as suas moedas, se elas não existem mais. O que é vendido, são moedas, não itens do jogo. Os itens do jogo você comprou com a própria moeda do jogo. 

Usar moedas próprias também permite que as microtransações se distanciem mais do valor real que você está gastando. O item custa 15 mil moedinhas, não 75 reais, e você recebe moedinhas todos os dias por completar missões ou por simplesmente entrar no jogo, é uma coisa que vem fácil.

Geralmente, os games ainda usam mais de uma moeda para coisas diferentes, justamente para você gradualmente perder a noção do custo. Para piorar, geralmente as moedas são vendidas em packs que tem exatamente valores abaixo do necessário para comprar qualquer coisa, assim, sempre tem que comprar os mais caros.

Com o tempo, as pessoas, especialmente as mais jovens, que nunca conheceram outro mundo de games começam a se acostumar com esse padrão, a ponto de nem reclamarem da prática. Se você nunca conheceu o mercado de games de forma diferente, para você é simplesmente “assim que os jogos são”.

Jogos que são cópias
Apenas cópias

O que se tem hoje é um modelo de negócio onde você encaixa um jogo, e não um jogo, para criar um modelo de negócio no entorno dele.

É por esse motivo que grande parte dos jogos de celular parecem cópias uns dos outros, é porque não importa o conteúdo do jogo se ele tiver essas estratégias de monetização predatória. O jogo parece que é até algo chato que algumas empresas precisam fazer para conseguir ganhar dinheiro.

Quantos jogos de celular de correr e coletar moedas existem? Quantos Candy Crush com personagens diferentes, quantas cópias de baixa qualidade de jogos mais famosos são criadas só pra aproveitar o hype?

Não importa do que o game é feito, basta copiar a identidade visual de algo mais famoso, num jogo que se joga sozinho, pronto, “com sorte a gente faz alguma grana.”

Nem precisa mais jogar

Os chamados “Idle games”, são uma tendência, ora, já que os gamers de smartphone não têm tempo para jogar, façamos um jogo que se joga sozinho. A única função da pessoa é coletar recompensas com sons e animações para receber umas cargas de dopamina.

Pesquise por “Idle” na Play Store, achará centenas de resultados, jogos que você não joga, quando jogos assim tem microtransações, significa que tem gente que paga para não jogar.

Talvez, por esse motivo, a adição de coisas que quebram a experiência de jogo sejam toleráveis por muitos desses gamers casuais, afinal, as pessoas vão lá, plantam uns milhos na fazenda virtual enquanto estão no trajeto do trabalho, o jogo diz que tem que esperar 6 horas para poder colher o milho sem motivo nenhum, depois do trabalho ou no outro dia você colhe os milhos e pronto.

Jogos para pessoas sem tempo de jogar, muito curioso, né? A mecânica de espera desses jogos não ajuda o game, se você remover, o jogo funciona da mesma forma, talvez seria até mais divertido, muitas vezes não há outra coisa para fazer no jogo enquanto espera a grama crescer.

Jogo de fazendinha
Por que com dinheiro o milho cresce mais rápido?

O próprio jogo espera que o jogador brinque por alguns minutos, cria um mecanismo para fazer voltar no dia seguinte e repetir isso; se pagar, claro, você pode colher o milho na hora, solidificando a ideia de que não é uma mecânica do jogo, é uma tática psicológica para pegar quem tem ansiedade, ou para criar uma espiral de sensação de recompensa para te manter mais tempo com o jogo. Afinal, quanto mais tempo você ficar com o aplicativo instalado no seu smartphone, maiores são as chances de você gastar qualquer valor nele.

A mecânica de esperar por algo acontecer não é necessariamente ruim, quando é parte do jogo, e não só um artifício para te fazer pagar, as pessoas não se importam em esperar a plantação crescer no Stardew Valley ou no Harvest Moon.

Todos os estilos de jogos podem ser divertidos para as pessoas certas, afinal, nem todo mundo gosta de jogar os mesmos estilos de jogos, mas uma coisa é muito clara: todo o avanço que o mundo de jogos de celular prometia, estagnou, hoje você tem jogos de roleta e cassino, mas que, por usar moedas virtuais compradas com dinheiro real, não são considerados jogos de azar.

São as “mecânicas de surpresa”, como dizia a EA quando assunto eram os lootboxes do FIFA, e a surpresa, claro, é a fatura do seu cartão no final do mês.

O próprio público já não espera muita qualidade de games mobile, de onde menos se espera, dali mesmo é que não vem. Se o público não espera muito, não tem porque se esforçar e gastar tempo e dinheiro para fazer um bom jogo de celular, até porque, grande parte desses jogos são descartáveis.

Ao contrário do que ocorre com consoles e computadores, onde os gamers tendem a ser muito mais investidos nos jogos, as pessoas baixam jogos de celular para tirar o tédio de uma fila, ou da viagem de ônibus, ou até para passar o tempo enquanto fazem as suas necessidades mais básicas.

Juntando os cacos

Para deixar claro, não é como se não existissem bons jogos de celular, é que eles ficam tão escondidos e são tão pouco populares, que é difícil de encontrar.

O estado atual dos jogos de celular mostra que, no fim das contas, a ideia da Netflix não é tão ruim, ela dá um vislumbre de como seria se o foco não fosse ganhar dinheiro através do jogo em primeiro lugar. O Google Play Pass também permite um pouco disso, mas não são todos os desenvolvedores que vão aderir. Não dá para imaginar a Konami criando um game de YuGiOh onde eles não possam vender packs de cartas, já que deve ser mais lucrativo a abordagem envolvendo microtransações.

Infelizmente, fazer “um jogo bom” no mundo mobile, dá pouco lucro, é arriscado para quem desenvolve, e a maioria dos consumidores atuais pouco se importam, é muito difícil ver um ponto de quebra desse círculo vicioso.

A dinâmica atual, acaba afetando outras áreas também, você tem a sensação de que os softwares estão ficando piores?

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