Em 2010, um estagiário achava que dominava a informática porque tinha decorado o serial do Windows XP e usava o MSN sem dificuldade. Esse estagiário, é claro, era uma versão muito mais jovem e ingênua de quem hoje é referência sobre tecnologia. Na época, o Dio trabalhava em uma empresa de manutenção de computadores, onde seu trabalho consistia basicamente em formatar máquinas e instalar o bom e velho Windows XP.
Até que um dia, algo diferente aconteceu. Um colega de trabalho, mais experiente, estava mexendo em um computador com uma interface estranha. “Mano, que Windows é esse aí?”, perguntou o estagiário curioso. A resposta veio seca e sem explicações: “É Linux, Mandriva”. E pronto. Nada mais foi dito. O estagiário, em vez de investigar, simplesmente voltou a conversar no MSN.
Anos depois, fica claro o tamanho da oportunidade perdida. Aquele era o primeiro contato com o Linux, e ele passou batido. Mal sabia o estagiário que, pouco tempo depois, seria demitido e começaria um curso técnico em informática, onde teve uma segunda chance de conhecer o Linux de verdade.
Descobrindo um novo mundo
Em 2011, surgia a primeira publicação do então blog Diolinux, um post cheio de erros de português e entusiasmo, anunciando que o autor havia encontrado “o melhor Linux” para usar: o Linux Mint. O texto, ainda disponível no site, consideramos uma relíquia histórica — um registro de alguém descobrindo um universo novo.
Quatorze anos depois, o Diolinux se tornou muito mais do que um blog. Virou uma comunidade, dois canais no YouTube, um podcast e, principalmente, um espaço para discutir tecnologia de forma crítica e (às vezes) descontraída. E, claro, uma prova de que até os piores estagiários podem evoluir.
O efeito Dunning-Kruger
Quem nunca achou que sabia muito, até descobrir que não sabia quase nada? Esse fenômeno tem nome: efeito Dunning-Kruger. E o Linux tem um talento especial para colocá-lo em prática.
Quando se começa a usar Linux, especialmente em uma época em que não havia Proton (ferramenta que hoje facilita a execução de jogos Windows no Linux), era preciso disposição para aprender. Muito. Configurar drivers, resolver problemas de compatibilidade, entender o que era um kernel — tudo isso exigia paciência e humildade.
E foi justamente essa necessidade constante de aprendizado que moldou uma mentalidade mais crítica. Se antes um sistema operacional era apenas “aquilo que vinha no computador”, depois do Linux, passou a ser uma escolha consciente — e muitas vezes questionável.
Usar Linux é como abrir uma porta para um labirinto de conhecimento. Cada novo termo — kernel, sistema de arquivos, gerenciador de pacotes — leva a mais perguntas. E, sem perceber, o usuário se vê lendo sobre como sistemas operacionais funcionam, como redes são estruturadas e, quem sabe, até sobre a história do Unix.
Não é exagero dizer que o Linux transformou muitos usuários em viciados em Wikis. Começa-se pesquisando “o que é um DE (Desktop Environment)” e, horas depois, está-se lendo sobre a história da computação gráfica ou a diferença entre vacas Holandesas e Jersey. É um caminho sem volta.
Depois de anos usando Linux, é impossível não questionar quase tudo. Por que um sistema operacional precisa ser pago? Por que certas interfaces são consideradas “melhores” se são tão pouco intuitivas? Por que aceitamos que as coisas “são assim porque são”?
O Linux, por ser uma alternativa, força o usuário a pensar diferente. E isso não se limita à tecnologia — acaba se estendendo para outros aspectos da vida. Se antes havia uma aceitação passiva de certas “verdades”, hoje há uma tendência a questionar, investigar e buscar alternativas.
Comunidades Linux: um estudo antropológico de paixões e brigas
Se há algo mais diverso do que as distribuições Linux, são as comunidades que as cercam. Poucos lugares na internet reúnem pessoas tão apaixonadas — e, por vezes, tão intolerantes — quanto fóruns e grupos de usuários de Linux.
Defender uma distro favorita pode ser quase como torcer para um time de futebol. E, assim como no esporte, as discussões muitas vezes ultrapassam os limites da razão. Mas, longe de ser apenas um campo de batalha, essas comunidades também são espaços de colaboração, onde gente do mundo todo compartilha conhecimento e ajuda uns aos outros.
Uma das lições mais valiosas desses 15 anos é perceber o quanto energia foi gasta discutindo coisas que não importam mais. Quem lembra das guerras entre usuários de GNOME e KDE nos anos 2010? Ou das discussões acaloradas sobre qual distribuição era “a melhor”?
O tempo mostrou que essas brigas eram inúteis. Tecnologias mudam, interfaces evoluem, e o que era revolucionário ontem pode ser obsoleto amanhã. Se há algo que o Linux ensina, é que nada é permanente — nem mesmo nossas opiniões mais fervorosas.
O que sobrou 15 anos depois
Olhando para trás, é fácil perceber o quanto o Linux influenciou não só a nossa carreira como equipe Diolinux, mas a nossa forma de pensar. Tornou-nos usuários mais críticos, mais curiosos e, talvez, um pouco mais exigentes — afinal, após experimentar a liberdade, é difícil aceitar limitações sem questionar.
Claro, nem tudo foram flores. Houve momentos de frustração, horas resolvendo problemas e discussões intermináveis sobre temas que hoje parecem irrelevantes. Mas, no fim, valeu a pena.
E se há uma mensagem que fica depois de tudo isso, é que tecnologia — assim como a vida — está em constante mudança. O que hoje parece essencial, amanhã pode ser obsoleto. O que hoje é motivo de discussão, amanhã será apenas uma lembrança engraçada. Um rio hoje não será o mesmo rio amanhã.
E, falando em lembranças, se você quiser saber mais sobre essa história, vale a pena conferir o episódio especial do Diocast que conta os bastidores do Diolinux. Quem sabe daqui a 15 anos a gente não estará rindo das nossas preocupações atuais?