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20.04 LTS – O que a Canonical descobriu falando com os usuários do Ubuntu?

Em Dezembro de 2019, a Canonical, empresa responsável pelo desenvolvimento do Ubuntu, criou uma enquete questionando  “como eles poderiam deixar o Ubuntu melhor” para a nossa utilização. Apesar do Ubuntu já ser muito eficiente e largamente utilizado, sem dúvida alguma há campo para muitas melhorias.

Conversar com o seu cliente é uma das lições mais importantes já aprendidas por qualquer empresa que atingiu o sucesso. No mundo Linux, curiosamente, ouvir o que o cliente tem a dizer muitas vezes significa ouvir alguém apaixonado pelo sistema ou software, ao mesmo tempo em que muitas vezes é um usuário não-pagante pelo serviço.

A grande pesquisa de 2019

Lembro-me de ter respondido ao questionário da Canonical do final do ano passado, tomando o cuidado de preencher cuidadosamente (e extensamente) cada um dos campos, colocando detalhes que eu acreditava que mereciam alteração, alguns deles, de fato, acabaram chegando ao sistema, outros não.

Novo tema Yaru do Ubuntu, desenvolvido pela Canonical
O novo Ubuntu trouxe uma grande atualização para o tema Yaru

Segundo o blog do Ubuntu, cerca de 22 mil pessoas responderam a esta enquete, se tornando parte da discussão que foi levantada para a elaboração do Ubuntu 20.04 LTS Focal Fossa, o qual foi lançado recentemente.

A empresa comenta que todas estas mensagens ajudaram no processo de tomada de decisão de alguns pontos muito específicos.

Machine Learning ao resgate para o Ubuntu 20.04 LTS

Além de uma leitura tradicional, a Canonical usou o serviço de machine learning e análise de texto da Monkey Learn para identificar quais foram os sentimentos empregados por trás de cada comentário, assim como a classificação de palavras-chave mais utilizadas entre todas as respostas.

Essa análise gerou um resultado precioso, que foi compartilhado publicamente nos meios de comunicação oficiais do Ubuntu. Vários pontos foram identificados e revelam muito sobre a difícil missão de agradar um consumidor como os usuários do Ubuntu.

Unity mandou lembranças

A mudança para o GNOME foi controversa, assim como foi a própria mudança para Unity em meados de 2011, no entanto, a controvérsia aparentemente permanece.

A Canonical informa que uma grande quantia de comentários envolveu a palavra “GNOME” e algumas conclusões muito interessantes foram extraídas a partir dessas informações.

Unity - Interface pensada em aproveitando de espaço e portabilidade deixou saudades.
O Unity foi a interface do Ubuntu até 2017

Apesar de o Unity ainda ter sido lembrado pelos usuários, a Canonical admite que por mais que eles tenham se esforçado, grande parte da comunidade viu a iniciativa de desenvolvimento do Unity, não como um avanço, mas sim, como uma forma de dividir a comunidade, mesmo sem essa intenção direta.

Historicamente falando, foi exatamente isso que aconteceu, houve uma divisão e a Canonical acabou se afastando um pouco dessa abordagem mais comunitária. Pesquisas como esta se tornaram raras por um determinado tempo. Ainda assim é curioso perceber que este foi o mesmo período onde o Ubuntu viu o seu maior crescimento em popularidade, criando a sua identidade visual, que é carregada até agora.

Dentre as pessoas que responderam às perguntas da pesquisa para a criação do Ubuntu 20.04 LTS, cerca de 30% mencionaram o desejo da volta do Unity.

Uma amostra relevante, 80% das pessoas, ainda que tenham mencionado o desejo pelo Unity eventualmente, admitiram que o GNOME Shell é uma coisa boa, mas ainda assim pediram por melhorias pontuais.

Os resultados da pesquisa realizada pela Canonical para a produção do Ubuntu 20.04 LTS mostram que as pessoas gostariam de manter uma versão de longo suporte, mas que pudesse ser facilmente atualizada, com um GNOME recente e otimizado.

As pessoas não querem o Windows, mas os programas que rodam nele

Uma parte particularmente interessante da pesquisa da Canonical mostra o quanto as pessoas desejam utilizar Linux e se veem presas a outros sistemas, eventualmente por conta da disponibilidade de algum software.

Windows 10 com ElGato Game Capture HD
Existem alguns ‘softwares’ úteis que são exclusivos do Windows

Adobe Photoshop (e outros softwares da Creative Suite), Microsoft Office e outras ferramentas que atualmente não estão disponíveis para Linux foram mencionadas algumas centenas de vezes como “motivos para ainda estar usando Windows”.

Essas respostas apareceram quando a pergunta “O que você gostaria que o Ubuntu fizesse para tornar a sua vida mais simples”. Ainda que os problemas sejam legítimos, é natural imaginar a sensação de “mãos atadas” da Canonical ao ler este tipo de coisa, simplesmente não está ao alcance da empresa criar versões desses softwares para o Ubuntu, se estivesse, certamente já teríamos visto algum avanço neste sentido.

O que pode ser de responsabilidade da Canonical é a viabilização da distribuição destes softwares. Sabemos que não se trata apenas de uma inconveniência, existem fatores de mercado envolvidos, porém, um dos pontos regularmente levantados é a dificuldade em criar um software com suporte para centenas de distros Linux.

A Canonical tenta resolver este problema atualmente com os pacotes Snap, e ainda que não sejam a única alternativa, sem dúvida eles possuem um grande apelo para o desenvolvimento e publicação de softwares como estes mencionados na pesquisa.

As pessoas querem jogar no Ubuntu

O artigo no blog do Ubuntu nos informa que exatamente mil duzentos e oitenta pessoas falaram sobre games de alguma forma. Apesar deste número representar apenas 6% das pessoas que responderam à pesquisa da Canonical, pareceu óbvio o quanto este segmento vem se desenvolvendo.

Manter o Ubuntu um sistema competitivo em tantos mercados diferentes é um desafio que provavelmente vai além da minha imaginação, agradar à perfis diferentes de usuários também não é uma tarefa fácil, ainda assim, vimos várias melhorias no lançamento dessa versão do sistema.

Steam e Lutris rodando no Pop!_OS, distro Linux derivada no Ubuntu
Steam e Lutris são as duas principais plataformas para se jogar no Linux atualmente.

Ao atender os pedidos dos gamers pela disponibilidade de drivers mais recentes para placas gráficas, já com as bibliotecas vulkan pré-instaladas e juntamente com o GameMode da Feral Interactive habilitado por padrão, cria-se a sensação de que a Canonical realmente se importa com quem deseja usar o Ubuntu para jogos.

Essas adições foram extremamente bem recebidas. Há alguns meses estávamos preocupados com o suporte à bibliotecas de 32 bits, como as do Wine, e como elas impactariam de forma negativa a jogatina no Ubuntu, mas não só esse suporte está ativo atualmente, como temos duas versões do Wine, uma estável e outra em desenvolvimento (wine-development), como opções instaláveis diretamente do repositório.

Um pequeno “gap” ainda pode ser apontado no entanto, é a ausência do Lutris nos repositórios oficiais, ou mesmo via Snap. Apesar de grande parte dos gamers de Linux usarem primariamente a Steam, o Lutris acabou se tornando uma ferramenta muito importante também, e suportá-la no Ubuntu de forma simples é tão importante quanto.

Snaps são odiados, amados e irrelevantes na mesma proporção

De todos os “come and goes” da Canonical, com absoluta certeza o top 2 reside no Unity e nos pacotes Snaps. Há quem ame, há quem odeie, há quem não se importe. 

Uma coisa é você constatar isso lendo os comentários do nosso público, outra coisa é fazer uma análise de dados e perceber que estatisticamente, é isso mesmo!

Loja de Apps do Ubuntu, SnapStore
Snap Store oferece fácil acesso a diversos aplicativos comerciais

Segundo a pesquisa realizada pela Canonical, cerca de 30,1% das pessoas teceram comentários negativos, 33.5% foram neutros em relação aos Snaps, e 36,3% comentaram de forma positiva.

Observando essa condição, temos praticamente 70% dos usuários endossando o uso de pacotes Snap. A pesquisa também revela que uma palavra que apareceu constantemente nesta pesquisa foi “more”, ou “mais” em Português.

As pessoas não parecem realmente se importar se a aplicação é um Snap ou não, desde que ela funcione corretamente, enquanto que os principais comentários negativos em relação à tecnologia residiam em queixas quanto à inicialização, performance geral, construção de pacotes e melhorias gerais.

Não imagino ninguém reclamando se a Creative Cloud chegasse no Linux graças aos Snaps, eles de fato são uma grande ferramenta de mercado e uma forma eficaz de reduzir atrito e tempo no desenvolvimento e no empacotamento de um mesmo software para diversas versões da mesma distro, ou até de distros diferentes. É claro que tudo tem prós e contras.

Sob a minha concepção, uma espécie de “termômetro” para determinar o sucesso dos Snaps será quando as pessoas deixarem de se perguntar se algo está em Snap ou não, usando essa informação para tomar a decisão de usar um App ou não.

Um pouco de você na pesquisa

O relatório da pesquisa da Canonical para construção do Ubuntu 20.04 é deveras extenso, e você pode consultar ele completamente aqui

Dentre os dados interessantes eu ainda gostaria de destacar a sessão que tenta traçar o perfil de público que respondeu ao questionário. 

  • A maior parte das pessoas que respondeu às perguntas é usuária de Ubuntu (55.3%), seguido por usuários de Windows (17.4%), considerando o ambiente de trabalho; 
  • A maior parte das pessoas que respondeu às perguntas também trabalha em engenharia de software de alguma forma (33,8%), a profissão é seguida por setores de TI sem maiores especificações (19.6%) e setor financeiro (16.9%);
  • Mais da metade das pessoas que responderam à enquete (51,1%) são europeus, seguidos norte americanos (22.4%), com asiáticos chegando em terceiro (12.1%);

Praticamente 80% da pesquisa se referiu ao Ubuntu “padrão”, com GNOME, como a versão preferida entre todas as flavours.

Interpretando os dados

Clara a popularidade do Ubuntu na Europa, especialmente nos entornos do Reino Unido, onde é sediada a Canonical. 

Existe uma grande quantidade de usuários do Ubuntu ou seus derivados diretos aqui no Brasil, e, apesar de o percentual não ter sido revelado, é possível ver que a América do Sul ficou em quarto lugar em relação à interação com pesquisa, provavelmente não perdendo de muito para a Ásia.

Análise da dados da Pesquisa

É importante aproveitarmos oportunidades como esta para dizermos o que gostaríamos de ver no futuro do Ubuntu, ao que parece pesquisas como essa serão sempre realizadas antes do lançamento da versão seguinte, logo, deveremos ter outro esforço semelhante para o lançamento do Ubuntu 20.10, em Outubro de 2020.

Naturalmente vemos uma grande utilização do Ubuntu por pessoas altamente técnicas, ainda que ele seja uma boa porta de entrada para o mundo Linux, existem indícios de que esse posto não está indisputável, especialmente com a presença de distribuições como o Linux Mint e o Pop!_OS (ambas baseadas no Ubuntu) e outras, como Fedora e Manjaro, que vem aumentando seu apelo aos novatos.

O fato de grande parte dos participantes da pesquisa utilizarem Windows salta aos olhos, a dedução que faço é a mesma que a Canonical revelou em seu artigo, possivelmente estas pessoas são obrigadas a utilizar um determinado sistema operacional em seus trabalhos, como o Windows, mas gostariam de utilizar o Ubuntu, ou provavelmente já utilizam Ubuntu em seu computador pessoal, ou servidor, e por este motivo participaram da pesquisa.

Uma responsabilidade gigantesca

Quando eu comecei a usar Linux o Ubuntu já era grande, e desde então ele cresceu ainda mais. É curioso poder dizer que eu vi o nascimento e morte de coisas como o Unity, Unity 8, Ubuntu Phone, Ubuntu One, entre outros pequenos projetos.

Talvez um dia eu seja capaz de entender o tamanho da responsabilidade por trás de uma empresa como a Canonical, em manter o Ubuntu funcional para milhões de pessoas com necessidades diferentes ao redor do mundo, falando idiomas diferentes, com culturas diferentes, cada qual esperando que o Ubuntu seja melhor em algum sentido.

Perder algumas pessoas pelo caminho faz parte da evolução, alguns se recusam a mudar, outras não gostam do caminho trilhado, mas essa nova LTS mostrou que a Canonical não é a líder deste mercado por acaso. As palavras “Linux” e “Desktop” se relacionam diretamente com a Canonical, pelo que ela fez no passado, e pelo que continua fazendo. 

Até a próxima!

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